19 de junho de 2009

Palavra de cozinheira

Dentro de mim, tem uma cozinheira de garfo e faca nas mãos. De avental sujo, com cheiro de cebola e pimentão. Uma mulher que experimenta, gosta de temperos, sente sabores, prefere o verde das folhas e preza paladares. Daquelas que têm cuidado com o corte da carne, que sabe que o manjericão nem sempre traz o melhor aroma. Que olha para o relógio e corre contra o tempo para que a mesa esteja pronta no horário certo. Mas muitas vezes não está. A correria é diária, nada pode sair errado. Copos à mesa, talheres limpos e tolhas brancas. Saúde!

Sim, senhor Gilmar Mendes, dentro de mim vive uma cozinheira. Uma mulher que conhece bem os modos de preparo e os ingredientes de uma boa macarronada de domingo. Que já experimentou comidas de todos os tipos e gosto e, até hoje, diante de um belo prato, tenta arriscar em receitas e aprender com elas. Ser cozinheiro, meu caro presidente do Supremo Tribunal Federal, não é para qualquer um. Tem que ter paixão pelo trato dos alimentos, tem que saber a medida certa do sal e do açúcar. Conhecer as pitadas e se arriscar em experimentar. Tem que estar atento às novas modas da cozinha para não deixar nenhum paladar desapontado.


Ilustríssimo Gilmar, ser uma mulher da cozinha requer paciência. Não se torna cozinheira da noite para o dia. E nem adianta dizer que aqueles que sabem fazer o arroz com feijão são cozinheiros. Não. É como se considerássemos que o curandeiro é médico. Ou melhor, que o detento que conhece muito da lei fosse juiz. Não. Para ir para a cozinha leva-se tempo, mesmo porque tem sempre um engraçadinho que sabe fritar ovos e acha que isso já basta.


Dentro de mim, essa mulher teme pelo futuro dos restaurantes já que agora qualquer um pode ser cozinheiro. O que será dos paladares exigentes? Das narinas que não aceitam qualquer aroma ? Daqueles que apreciam cardápios como se devorassem uma notícia de jornal? A qualidade é que faz a diferença e abre o apetite.

"Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área", disse o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao defender a não obrigatoriedade do diploma de jornalismo.

14 de junho de 2009

Desafio de todo o dia

Ok. Eu confesso: sou uma jornalista manteiga derretida. Já chorei em encontros de desaparecidos, já abri o berreiro acompanhando uma cirurgia de um recém nascido , já voltei para a redação com os olhos cheio d'àgua depois de entrevistar Dona Maria e reconhecer que o meu mundo é fácil demais. Lágrimas já desceram quando vi mães chorando a morte de filhos. Já engoli seco ao ouvir o desespero de um pai para salvar o seu bebê dentro de um hospital. Fiquei sem dormir quando vi os corpos de dois homens assassinados com 19 perfurações. Mas, na última semana, descobri que essa manteiga derretida está ficando mais pastosa.


Não sei se a gente vê e ouve tanta coisa que a emoção acaba se desgastando. Em miúdos, ficamos mais frios. Tive que cobrir o desabamento de uma lage numa construção, onde 9 pedreiros ficaram soterrados e, destes, um morreu. Se fosse há um tempo, lógico que, no mínimo, sentiria um frio na barriga ou algum arrepio. Mas não. Desta vez nada aconteceu. Nadinha mesmo. Quando cheguei ao local, meus colegas já estavam fazendo o seu trabalho: entrevistando, apurando etc e tal. Fiz o mesmo. Mas todo o tempo, estava preocupada se o fotógrafo tinha fotografado algum dos feridos sendo resgatados.

Um colega da TV ainda me disse: "Tomara que tenha algum outro para ser resgatado para dar uma imagem boa". No fundo, no fundo, eu também esperava por isso. As nossas perguntas aos militares do Corpo de Bombeiros giravam em números. "São 13 pessoas?", perguntava um. "Tem mais algum morto?", perguntava outro. E essa expectativa me atormentou durante um bom tempo.

Lembro que quando estava na faculdade, a jornalista Leila Ferreira fez uma palestra e disse que "nunca um repórter poderia ficar frio diante dos fatos". Concordo em número, gênero e grau. Mas como não se acostumar ? Fica aí o desafio.




5 de junho de 2009

Pessoas absurdamente incríveis

Sempre digo que conhecer pessoas é a maneira mais incrível de ser surpreender. Essa minha teoria sempre, ou quase sempre, se faz valer. Já conheci gente de todos os tipos, desde o mais culto, até o mais ignorante possível. Aliás, as diferenças são sempre bem-vindas. Pois bem, esta semana conheci um grupo de mães que dificilmente vou esquecer.

Essas mulheres, todas maiores de idade e vacinadas, estavam preocupadíssimas com as marcas de mordidas que os filhos, todos de 4 anos, estavam chegando da escola. Alguns nem foram mordidos, apenas levaram uma puxada de cabelo. Mas mãe é mãe. Defende a cria com unhas e dentes. Por isso, elas resolveram pedir à direção da escola a retirada do menino, ou do "monstro", que estaria agredindo seus filhos. Caso contrário, tirariam as "vítimas" da escola.

No entanto, o pequeno garoto, também de 4 anos, é deficiente mental e está na escola dita para "normais", por meio do programa de inclusão social de portadores de deficiência. Mas para aquelas mães, super cuidadosas e responsáveis, isso é um absurdo. Com esse pensamento firme e, como não receberam apoio da escola para o pedido de retirada do "monstro" , elas se reuniram e fizeram um abaixo-assinado. Não contentes, procuraram vários órgãos para conseguir apoio. Em vão.

Alegando que crianças "normais" não podem se relacionar com "anormais", elas fizeram o barraco. Disseram absurdos que até tenho medo de repetir. Entrei na escola, e o que vi foram várias crianças "normais" batendo umas nas outras, como sempre acontece nessa idade. E o "monstro" não me bateu, em vez de mordidas, ele me recebeu com abraços e beijos.

Na hora, voltei à minha infância. Quando pequena, brincava com uma menina, um pouco mais velha do que eu, que tinha Síndrome de Down. Éramos vizinhas e amigas. Como não sabia da deficiência dela, achava que ela era estrangeira. Conversando com a minha mãe sobre isso, ela me disse que deixou que eu descobrisse sozinha que a minha vizinha era deficiente mental. E foi sozinha que descobri. Aliás, nem lembro como descobri. O fato é que, para mim, isso nunca fez diferença. Hoje, digo com todas as letras, que essa aproximação ajudou no desenvolvimento desta minha amiga especial e, muito mais do que isso, me tornou uma adulta melhor.

2 de junho de 2009

A primeira história

Para inaugurar o blog e aproveitando que o assunto está fresco, lá vai uma das minhas histórias. Mesmo ouvindo a rádio, TV e comentários, que o avião que saíra do Rio de Janeiro com destino a Paris tinha desaparecido, não achei que a bomba estouraria na minha mão. Mas estorou. Eu, que cheguei ao trabalho relaxada - resultado de duas horas da aula de natação -, experimentei uma tensão nunca antes sentida. Daquelas que a gente acha que o coração vai parar a qualquer momento (sempre acho isso, principalmente às 16h, quando o fechamento da edição está prestes a começar). Mas desta vez juro que o "trem" foi feio.

Pois bem, sobrou para a repórter aqui sair à procura dos mineiros que estavam (ou estão) no voo 447. Quem dera se a lista já estivesse em minhas mãos, com todos os nomes, nacionalidades, regiões etc e etc. Não. Restou a mim a busca incansável que ora se fazia por telefone, ora pelo noticiário da TV, ora a rádio e sempre a internet (eta meio fantástico). Com apenas um nome e a cidade do indivíduo, fui atrás da família , mesmo sabendo que uma entrevista seria impossível.

Uma hora e meia de viagem, comprovei o que eu esperava: os familiares não queriam falar. É claro. Quem quer dizer algo à imprensa numa hora dessas? E, pra variar, fiquei plantada na porta da casa dos pais do desaparecido no voo e, em vez de novas notícias, xingamentos e desaforos que tive que levar para casa. Mas, como manda a tradição jornalística, não desisti. Sai andando pela cidade afora e, com algumas informações ali e acolá, cheguei a uma outra fonte. Bingo. Correria, adrenalina a mil e pronto: texto enviado.

Mas não demorei muito para repensar o papel da mídia numa situação como essa. A dor dos familiares em jogo, as perguntas cretinas e cruéis. Até o momento não se sabia o que realmente havia acontecido, mesmo que já se supunha que se tratava de uma tragédia. E nós, profissionais do meio, cientes de que o profissionalismo muitas vezes perde o bom senso, usamos a cara de pau para cumprir a obrigação de informar nem que seja por segundos. No entanto, os desaforos escancarados e levados pra casa perduram por muito tempo.